quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O ultimo Sertanejo

Já era tarde, e a lua estava sobre a minha cabeça, as estrelas guiavam meus passos pela noite escura, reclamando de minha pobre vida, tudo que eu queria naquele momento era envelhecer, sonhos desperdiçados, vidas sem rumo, amor não correspondido, sim e nessa hora que eu vi que sou apenas um humano, um fraco, um desperdício para sociedade moderna.
Porém eu ouvi um grito, e este veio de dentro de uma casa, já velha com o tempo que foi construído, seus telhados quebrados, janelas enferrujadas, e um portão que fazia um barulho enorme ao abrir, lá moravam o Sr. Carlos, um velho ranheta, que adorava reclamar de tudo, até mesmo das crianças que brincavam na rua todo domingo à tarde, e a sua companheira veio falecer alguns anos antes, ninguém sabia ao certo quem era aquele velho casal, a única coisa que tínhamos certeza, era que eles eram italianos, pois o cheiro de macarronada que era feita a noite tomava conta bairro.
No entanto fiquei meio surpreso, por que um velho iria gritar uma hora daquelas? Logo veio em minha mente mil e umas formas diferentes de cenas, e o que mais me dava medo, era o fato dele ser bravo, e cabeça dura demais, mas mesmo assim bati palma na casa do Sr Carlos e gritei :
- Senhor, está tudo bem? Quer ajuda? !
Mais que de pressa uma voz abafada lá de dentro disse:
- Garoto, me ajude.
Isso foi o bastante para eu entrar com medo, imaginava aquele velho todo ensangüentado, ou com uma perna quebrada, pois bem, assim que entrei na casa, ouvi uns gemidos que vinham do quarto, era o Sr. Carlos agonizando, parecia que estes eram suas ultimas horas de vida, logo cheguei desesperado falando:
-Meu Deus, do que o senhor precisa? Vim te ajudar.
Com um sorrisinho nos lábios o velho homem disse:
-Meu filho, pegue um caderno, e uma caneta e anote o que tenho para falar.
Mais que de pressa, corri e peguei a caneta e logo comecei a anotar a feição daquele pobre senhor, era de dor, de tristeza, de angustia! Cortava meu peito ver o estado daquele homem, e naquele momento eu tive a certeza, a dor de morrer sozinho e maior do que quando se morre com doenças. Olhei nos olhos do velho e disse:
- Pode falar senhor, o que o quer que eu escreva?
O homem olhou e começou a dizer:
- Filho eu não tenho faculdade, e muito menos fui à escola, meu sustento tirei do chão, e minha faculdade foi à vida, e meu mundo era meu sitio, lá eu nasci, e desde criança aprendi mexer no arado, colhia os ovos das galinhas, e pro porco dava comida, não tinha hora, íamos dormir quando a lua vinha, e acordávamos quando o sol saía, não tinha leis, e nem corrupção, assim era o meu paraíso, aos domingos, minha mãe fazia macarronada, e o velho porco assado vinha acompanhando o prato. Minha juventude foi tranqüila, não tive muita regalia, tudo que tínhamos era repartido entre os irmãos, não existia caminhonete, e muito menos cerveja, quando saiamos, pegávamos nosso cavalo, e íamos para os bailes da vida, lá as mulheres agiam com respeito, e não saiam se oferecendo, como as de hoje, as modas eram cantadas como poesia, ao som de uma boa viola afinada, em seus versos eram declamadas palavras sobre o dia pesado na roça, ou a tristeza de um jeca, muitos ousavam, e animavam os bailes com pagodes, onde a viola chorava em suas mãos.
Tudo isso sumiu quando vi o rosto de minha amada, era como se eu estivesse flutuando, fui até seu pai, e pedi para dançar com a moça, logo o pai da moça, foi em alertando, e a honra da dança foi me dando, sentia o meu coração palpitar, e seu sorriso a me iluminar, isso foi o inicio de uma paixão que só teve fim ah alguns anos atrás, com a morte da minha linda esposa, pois bem vou continuar a minha história menino, por que sinto que minhas horas estão terminando.
Bebíamos cachaça da pura, e ali ficávamos ate tarde, conversando e cantando modas do sertão, nosso pai vinha nos chamar, e logo o obedecíamos, sim!  o pai naquela época ainda tinha algum valor, e nossa mãe era nossa rainha, assim vivi ate chegar aqui, nesta cidade, onde tudo um pedaço de metal faz, e tudo mais fácil, hoje os pais sustentam os filhos, e eles são mal agradecidos ainda, e assim vim parar aqui, meu filho comprou essa casa, e sumiu, me deixou aqui sozinho, sem dinheiro, sem nada, o pouco que ganho carpindo lotes, mal dá para em alimentar, essa é a triste vida de um caboclo que foi parar na cidade.
Nesse momento, o velho suspirou, e fechou seus olhos, logo vi que em uma de suas mãos tinha um papel, e nele estavam alguns nomes, e para meu espanto, ali era a lista de netos, e meu nome vinha logo no inicio, dei um beijo em sua testa, e o abençoei, e sei que ele lá no céu está, vivendo junto com Deus.

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